O que hernia hiatal por deslizamento

Hérnia hiatal gigante por deslizamento com estômago intratorácico

Giant hernia by sliding with intratoractic stomach

Denner Alves Cardoso, TCBC-SP1,2; Heloísa Loureiro Costa1,2; Gabriel de Souza Ferreira1,2; Flávia Cevithereza Pontes1,2; Guilherme de Oliveira Pinto Bertoldi1,2; Douglas Franco Félix1,2

1. UniFACEF, Curso Medicina - Franca - SP - Brasil
2. Hospital Regional de Franca, Serviço de Cirurgia Geral - Franca - SP - Brasil

Recebido em 21/07/2020
Aceito em 17/01/2021

Fonte de financiamento: Não

Conflito de interesses: Não

Resumo

INTRODUÇÃO: A hérnia hiatal (HH) é a manifestação da inconsistência anatômica da região do hiato esofágico, congênita ou adquirida, que permite a passagem de parte do estômago pelo diafragma e assim, sua projeção para o tórax. A HH gigante é o tipo menos frequente, com cerca de 30% do estômago a nível torácico. Como principais fatores de risco para a HH estão a velhice e a obesidade. A alteração anatômica decorrente da formação da HH contribui para a disfunção da transição esofagogástrica, podendo causar sintomas. A presença de víscera oca dentro do tórax é o sinal mais fidedigno de lesão da hemicúpula esquerda. O tratamento cirúrgico consiste na redução da herniação gástrica e confecção de uma válvula antirrefluxo.
RELATO DO CASO: O relato versa sobre o caso de uma paciente de 78 anos, sexo feminino, com cirurgia prévia de ressecção de neoplasia pancreática em seguimento oncológico sem metástases, apresentando clínica e imagens de estômago de localização torácica no exame contrastado seriado, submetida à correção cirúrgica com fundoplicatura a Nissen, com seguimento clínico e imaginológico que comprovam a efetividade da abordagem.

Palavras-chave: Hérnia. Hérnia Hiatal. Fundoplicatura. Diafragma. Mediastino.

INTRODUÇÃO

A hérnia hiatal (HH) é a manifestação da inconsistência anatômica da região do hiato esofágico, congênita ou adquirida, que permite a passagem de parte do estômago pelo diafragma e assim, sua projeção para o tórax1.

A HH pode ser classificada, quanto ao grau de prolapso, segundo Allison em três tipos: tipo I ou deslizamento (HHD), tipo II ou rolamento ou paraesofageana (HHP) e tipo III ou mista. Um quarto tipo é descrito na literatura como tipo IV, ou gigante ou estômago intratorácico (HHG)2.

A HHG pode ser descrita como uma hérnia mista pelos componentes deslizamento e paraesofageano. É o tipo de acometimento menos frequente, sendo classificada como tal, quando 30% do estomago encontra-se a nível torácico3.

Como principais fatores de risco para HH estão a velhice e a obesidade. Um afrouxamento do ligamento esofágico e diafragmático na população de idosos contribui para formação da HH e acidez do esôfago distal e proximal4.

Assim, as alterações anatômicas interferem no funcionamento de transição esofagogástrica. E, apesar de a grande maioria cursar assintomática, pacientes acometidos podem apresentar sintomas como: eructação, pirose, disfagia, dor torácica e/ou abdominal, halitose e refluxo gastroesofágico, provocando náuseas e tosse seca irritativa5.

A presença de víscera oca dentro do tórax é o sinal mais fidedigno de lesão da hemicúpula esquerda. O “sinal do colar” representa o achado de imagem mais frequente da lesão frênica esquerda, com especificidade de 100%3 e sensibilidade de 17% nas imagens axiais.

O tratamento cirúrgico consiste na redução da herniação gástrica e confecção de uma válvula antirrefluxo. Na fase aguda, recomenda-se a abordagem abdominal devido à alta frequência de lesões a outros órgãos e alças que podem estar presentes e, na tardia, a abordagem por via torácica, pode ser adotada, dependendo da opção ou experiência do serviço. Em alguns casos, também pode ser combinado o acesso abdominal e torácico6.

RELATO DO CASO

Mulher, 78 anos, com dispneia, fadiga, dor retroesternal, vômitos e refluxo gastroesofágico há dois anos, apresentou piora clínica com disfagia a líquidos, não tolerando decúbito para dormir nos últimos meses. Portadora de hipotireoidismo e hipertensão arterial controlados possui antecedente pessoal de neoplasia de cabeça de pâncreas tratada cirurgicamente por pancreatoduodenectomia (Cirurgia de Whipple) e encontra-se em acompanhamento oncológico sem evidências de metástases ou recidivas. Paciente relata surgimento dos sintomas descritos após a cirurgia oncológica.

Na investigação diagnóstica, foi realizada radiografia do tórax, que apresentou imagem retrocardíaca irregular com ar sugestiva de hérnia hiatal do estômago (Figura 1). Posteriormente, prosseguiu-se a investigação com seriografia contrastada do esôfago-estômago-duodeno que confirmou a presença de grande hérnia gástrica transhiatal com escorregamento intratorácico total do estômago (Figuras 2 e 3). Devido à exuberância dos sintomas apresentados pela paciente, em conjunto com os achados de imagem, foi recomendada correção cirúrgica da hérnia de hiato.

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Figura 1. Imagem sugestiva de herniação de estômago

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Figura 2. Estômago intratorácico

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Figura 3. Estômago de localização torácica no exame contrastado seriado

A cirurgia foi feita por laparotomia exploradora com técnica aberta e incisão mediana supraumbilical, visto cirurgia abdominal aberta anterior e julgamento do cirurgião quanto aos riscos cirúrgicos e aderências. No procedimento, o estômago localizado intratorácico (Figura 4) foi reduzido para a cavidade abdominal, fez-se a reconstrução do diafragma, seguido de confecção de uma válvula antirrefluxo, fundoplicatura a Nissen (Figura 5).

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Figura 4. Redução abdominal do estômago

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Figura 5. Redução do estômago e fundoplicatura a Nissen

O ato cirúrgico decorreu sem intercorrências. A paciente evoluiu bem no pós-operatório, com alta após três dias, sem complicações e com melhora clínica.

Este estudo foi aprovado pelo comitê de ética da Uni-FACEF sob o nº. 34195420.0.0000.5384.

DISCUSSÃO

É descrito que a herniação gástrica intratorácica é incomum; em pacientes com histórico de hérnia hiatal o orifício diafrag-mático possivelmente aumenta de acordo com o tempo e com as mudanças nas pressões intra-abdominais e da cavidade torácica, resultando em herniação progressiva de um ou mais órgãos abdominais para o tórax, sendo o estômago o mais comum7. Com base no histórico da paciente, diversos desses fatores como a idade e abordagem cirúrgica anterior, podem estar associados a essa evolução.

As hérnias hiatais são normalmente achados radiográficos ocasionais e em sua maioria assintomáticas. O desenvolvimento de sintomas que necessitam de correção tem taxa de 1% ao ano8. Na investigação radiográfica de sintomas gástricos, a incidência de hérnia hiatal por deslizamento é sete vezes mais comum que a hérnia paraesofágica, com uma idade média de apresentação clínica aos 48 anos9.

Dentre os sintomas dos portadores de hérnia de hiato, a dor torácica retroesternal é frequente e pode ser associada ao refluxo gastroesofágico. Nas hérnias gigantes, também podem aparecer disfagia, manifestações compressivas no tórax e diminuição da reserva respiratória, resultando em dispneia10,11. Clínica esta, apresentada pela paciente descrita, principalmente nos últimos meses, como relatado na disfagia e desconforto importante ao decúbito.

O tratamento de escolha para hérnias hiatais com sintomas de refluxo gastroesofágico, como o apresentado no caso relatado, é a redução do saco herniário com reconstrução do hiato diafragmático e a realização da válvula antirrefluxo8,12.

Uma abordagem minimamente invasiva, como a cirurgia laparoscópica, apresenta vantagens bem estabelecidas, como menor morbidade e menor tempo de recuperação pós-operatória, podendo também ser adotada outra abordagem, de acordo com julgamento e análise individualizada8,10. Isto posto, no caso apresentado, a escolha foi por uma abordagem através da laparotomia exploradora, já que paciente apresentava abordagem cirúrgica prévia da cavidade abdominal por neoplasia pancreática, com provável presença de aderências, levando a possíveis maiores riscos à paciente.

No caso, apesar da idade avançada da paciente, do histórico de cirurgia oncológica de grande porte e mediante quadro sintomatológico exuberante, não houve impedimento para que se realizasse tratamento por abordagem cirúrgica da hérnia hiatal gigante. De tal forma que o procedimento possibilitou resolutividade do quadro, sendo sua efetividade constatada por meio da evolução da paciente no seguimento pós-operatório, com melhora clínica evidente, controle radiológico dentro do esperado (Figura 6) e sem complicações, dado a severidade do caso

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Figura 6. Seriografia esofágica de controle pós-operatório

O trabalho não possui conflitos de interesse e nem fontes financiadoras.

REFERÊNCIAS

1. Junior AT, Grillo E. Hérnia hiatal: abordagem cirúrgica [dissertação]. Departamento de Clínica Cirúrgica -Universidade Federal de Santa Catarina. 1987.

2. Salciarini RJ, Freitas CMG, Guerra LAV, Filho MC, Abreu TB, Santos SRS. Hérnia hiato gigante: causa de anemia oculta. Rev Col Bras Cir. 2017;.

3. Groskin S. Selected topics in chest trauma. Radiology. 1992;183(3):605-17. doi: 10.1148/radiology.183.3.1584904.

4. Yu HX, Han CS, Xue JR, Han ZF, Xin H. Esophageal hiatal hernia: risk, di-agnosis and management. Expert Rev Gastroenterol Hepatol. 2018; 12(4): 319-29. doi: 10.1080/17474124.2018.1441711.

5. de Melo ASA, Moreira LBM, Damato SD, Martins EML, Marchiori E. Ruptura Traumática do Diafragma: Aspectos na Tomografia Computadorizada. Radiol Bras. 2002;35(6):341-4. doi. org/10.1590/S0100398420020006 00006.

6. Henry MACA. Diagnóstico e tratamento da doença do refluxo gastroesofági-co. ABCD Arq Bras Cir Dig. 2014;27(3):210-5. doi. org/10.1590/S0102-67202014000300013

7. Llarges M, Roesler LVA, Gomes AFS, Barreto CEP. Hérnia diafragmática encarcerada com boa evolução após duas intervenções cirúrgicas: relato de caso. J Penumol. 1998;24(1)23-46.

8. Siegal SR, Dolan JP, Hunter JG. Modern diagnosis and treatment of hiatal hernias. Langenbecks Arch Surg. 2017;402(8):1145-51. doi: 10.1007/s 00423-017-1606-5.

9. Farina del Río M, Rodríguez González A, Melgarejo S. Hérnia Hiatal Gigante. Reporte de Caso. Cir Parag. 2018;42(1):41-3.

10. Pereira Fraga JG, Roque González R, Martínez Alfonso MA, Torres Pena R, Barreras González J, López Milhet AB. Cirugía videolaparoscópica en la hernia hiatal gigante. Rev Cubana Cir. 2015;54(2):148-56.

11. Wagner R, Jamierson P. Pulmonary contusion. Evaluation and classifica-tion by computed tomography. Surg Clin North Am. 1989;69(1):31-40. doi: 10.1016/s0039-6109(16)44732-8.

12. Daudt CAS. Sociedade Brasileira de Cirurgia Torácica. [Online].; 2015 [cited 2019 Abril 26. Available from: https://www.sbct.org.br/wp-content/uploads/2015/04/hernia_traum atica_diafragma.pdf.