Quando teve início a abertura política no Brasil quais foram as principais medidas tomadas

O Governo de Ernesto Geisel foi marcado pela necessidade de se administrar o avanço das oposições legais frente os sinais de crise da ditadura. O processo de eleição do novo presidente foi marcado por eleições indiretas onde o MDB lançou os nomes de Ulysses Guimarães e Barbosa Lima Sobrinho enquanto “concorrentes” do candidato do ARENA. Mesmo sabendo que não chegariam ao poder, a chapa do MDB correu em campanha denunciado as falhas do regime militar e a opressão do sistema.

Em face aos problemas enfrentados naquela época, o governo Geisel convocou Mario Henrique Simonsen para assumir o Ministério da Fazenda. Anunciado o II Plano Nacional de Desenvolvimento (II-PND), o governo buscava conciliar a retomada do crescimento econômico com a contenção da onda inflacionária. Dando prioridade ao desenvolvimento de bens de capital, o novo governo investiu principalmente nas empresas estatais. Entretanto, as reformas não repercutiam o efeito esperado, pois a economia nacional não tinha condições próprias para se recuperar de seus problemas. Assim como o Brasil sofreu os efeitos da crise do petróleo, as grandes potências econômicas também passavam por um momento de retração generalizada. Em meio a uma economia enfraquecida, os setores de oposição política oficial ganhavam maior força de atuação política. A busca por reformas foi sentida nas eleições parlamentares de 1974, onde mais de 40% das cadeiras do Congresso Nacional foram ocupadas por integrantes do MDB. Os militares da chamada “linha dura” começaram a perceber a desaprovação popular frente o regime. Em contrapartida, outros integrantes do regime defendiam a necessidade de flexibilização que pudesse dar maior longevidade ao governo militar. O contexto marcado por contradições acabou incitando os setores mais radicais do regime a cometerem atos de extremo autoritarismo. Em outubro de 1975, o jornalista Vladimir Herzog foi assassinado nos corredores do II Exército de São Paulo. Segundo as fontes oficiais, o jornalista teria se matado na prisão. No entanto, as fotos do incidente estranhamente mostravam seu pescoço amarrado a um lençol e com os pés ao chão. O episódio acabou dando forças para que diversas entidades representativas se unissem em torno de duas grandes reivindicações: a anistia aos presos políticos e a realização de uma nova Constituinte. Entre as entidades que encabeçaram essas lutas se destacavam a Ordem dos Advogados do Brasil, a Associação Brasileira para o Progresso da Ciência, a Associação Brasileira de Imprensa, Comitê Brasileiro pela Anistia, as Comunidades Eclesiais de Base e a União dos Estudantes do Brasil. Projetando uma ampliação da representação política dos setores de oposição, o Governo Geisel lançou, em 1977, o chamado pacote de abril. Esse pacote promoveu uma desarticulação política sustentada pelas premissas estabelecidas pelo Ato Institucional nº 5 (AI-5). O Congresso Nacional foi fechado, ao mesmo tempo, o sistema judiciário e a legislação foram alterados. As campanhas eleitorais foram restritas, o mandato presidencial passou para seis anos e as leis seriam aprovadas por maioria simples.

Com o isso, a ditadura conseguiu garantir uma maioria de integrantes políticos favoráveis à situação. Reafirmando seu projeto de reabertura política “lenta e gradual”, o general Geisel afastou os radicais do governo para abrir portas à eleição de João Batista Figueiredo. Ao fim de seu mandato, Ernesto Geisel tomou uma última atitude que representou bem o tom conservador de sua abertura política: revogou o AI-5 e, logo em seguida, deu ao próximo presidente o direito de decretar Estado de Sítio a qualquer momento.

Por Rainer Sousa
Graduado em História

O Governo Geisel à frente da Presidência da República, durante a ditadura civil-militar, ocorreu entre 1974 e 1979 e foi marcado pelo chamado processo de redemocratização. Segundo o próprio presidente-ditador Ernesto Geisel, era um processo “lento, gradual e seguro” que pretendia criar uma distensão na situação política do país.

Tais adjetivos demonstravam que os militares mais moderados desejavam passar o controle político do país aos civis. Mas isso iria ainda demorar, sem alterar as bases autoritárias e violentas do Estado, que haviam sido construídas desde 1964.

Geisel foi considerado moderado, pois a chamada linha-dura militar, mesmo com o fim violento das guerrilhas, ainda se opunha à entrega do poder político aos civis, como havia sido planejado em 1964. Para a linha-dura era ainda necessário realizar a caça aos chamados subversivos, através de torturas, perseguições e desaparecimentos.

A própria eleição de Ernesto Geisel demonstrou uma divisão dos militares entre os moderados (“castellistas”) e a linha-dura. Mesmo tendo cargos como o de Chefe do Gabinete Militar, presidente da Petrobras e ministro do Supremo Tribunal Militar nos três governos dos presidentes-ditadores anteriores, a eleição de Geisel pelo Colégio Eleitoral não era bem-vista pela linha-dura.

O processo de distensão incluiu a diminuição da censura em 1975, a lenta desmontagem do violento aparelho repressivo – cuja divulgação de foto demonstrando o assassinato do jornalista Wladimir Herzog serviu como motivo para a demissão de um general –, a Lei de Segurança Nacional, que foi abrandada, e a Lei de Anistia, de 1979, que permitiu a volta de inúmeros opositores do regime ao Brasil, como Leonel Brizola e Luís Carlos Prestes. Nesse mesmo ano, o AI-5 foi revogado.

Um dos motivos para realizar esse processo de abertura era a insatisfação de inúmeros setores sociais com a ditadura civil-militar, incluindo setores que apoiaram o golpe. Contribuiu para isso a crise econômica que começou a atingir o país, principalmente depois da crise do petróleo de 1973 e o fim das altas taxas de crescimento do chamado “milagre econômico brasileiro”. A criação do II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) conseguiu conter a crise por um curto período até a nova crise do petróleo de 1979.

Politicamente, os militares vinham sofrendo importantes derrotas no campo eleitoral, mesmo que esse fosse restrito e dominado pelo ARENA, o partido da ditadura. As eleições parlamentares de 1974 representaram importante vitória para o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), o partido da oposição consentida.

Frente a essa derrota, medidas foram tomadas para que isso não ocorresse nas eleições de 1978. Em 1977, foi lançado o Pacote de Abril, que, entre outras coisas, alterava a legislação eleitoral, confirmando a eleição indireta para governadores e instituindo os senadores “biônicos”, que constituíram um terço das cadeiras do Senado, sendo nomeados pelo governo.

A insatisfação contra a violência da ditadura civil-militar e a política econômica de concentração de renda resultou em diversas manifestações, das quais as de maior destaque foram as greves dos metalúrgicos na região do ABC, em São Paulo, em 1978.

Ernesto Geisel desagradou ainda mais a linha-dura ao indicar como seu substituto o general João Batista Figueiredo. Os militares mais à direta das Forças Armadas pretendiam indicar o general Sylvio Frota, Ministro da Guerra. Demitido por Geisel, Frota tentou articular um golpe de Estado, mas sem sucesso.

A oposição de Geisel à linha-dura não era tanto por discordar dos métodos violentos de repressão, mas sim por não ver saída para a ditadura que não fosse uma abertura política, sem alterar as bases econômicas, em decorrência da insatisfação popular. Em 1979, o Colégio Eleitoral elegeu João Batista Figueiredo como presidente do Brasil para o período de 1979-1985, sendo ele o último ditador do regime militar.

* Crédito da Imagem: Arquivos Nacionais dos EUA.

Mestre em Educação (UFMG, 2012) Especialista em História e Culturas Políticas (UFMG, 2008)

Graduada em História (PUC-MG, 2007)

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A Abertura Política foi o nome dado a uma série de ações cujo objetivo era realizar uma transição lenta, gradual e segura para a democracia nos últimos dois mandatos do regime militar no Brasil.

Entre os anos de 1964 e 1974 o regime militar esteve na mão de três generais e viveu seu período de maior endurecimento. A partir da edição de uma série de Atos Institucionais, Castelo Branco, Costa e Silva e Médici promoveram o combate aos partidos, militantes e organizações de esquerda através da censura, da perseguição política e até mesmo da tortura e da execução. Devido ao prolongamento daquilo que deveria ter sido uma rápida intervenção do Exército e tornou-se uma longa ditadura, diversos movimentos de resistência surgiram em busca do retorno à democracia no país. O embate entre governo e oposição durante esses anos foi marcado por diversos episódios, tais como as greves de Contagem e Osasco, as manifestações da União dos Estudantes (UNE) e a atuação de diferentes grupos de guerrilha urbana (como a Aliança Nacional Libertadora - ANL) e rural (como a Vanguarda Popular Revolucionária - VPR), sem contar com a participação de expressiva ala da Igreja Católica.

Após esse período e em contexto de coexistência pacífica, os Estados Unidos da América passaram a defender a abertura política das ditaduras latino-americanas – algumas que governos anteriores norte-americanos haviam apoiado, como a brasileira.

O slogan que marcou a abertura política foi cunhado durante o governo Geisel, que pretendia realizar o processo de retorno à democracia de forma "lenta, gradual e segura". Lenta porque não havia consenso nas Forças Armadas quanto à abertura política. A ala mais radical da linha-dura demonstrou por diversas vezes que não concordava com o processo e atentados terroristas contra instituições e militantes de esquerda demonstram a dificuldade desse grupo em lidar com o processo de abertura. A mais marcante dentre as ações de resistência da linha-dura foi o atentado ao Riocentro, em 1981, sobre o qual os militares tentaram, de forma frustrada, colocar a culpa em militantes de esquerda. Gradual porque, como demonstrou o Pacote de Abril, não era ainda hora dos militares abrirem mão das eleições indiretas para prefeitos, governadores e para o presidente da república. Nossa democracia era parcial e somente seria plena após a Constituição de 1988. Segura porque procurou garantir o controle do crescimento da esquerda no poder, evitando que o processo de transição permitisse a eclosão de uma revolução como se havia visto em Cuba e China. Além disso, trataram de dificultar a veiculação das propostas dos candidatos da oposição através da Lei Falcão. O retorno à democracia deveria garantir também a isenção dos militares de seus crimes praticados durante o regime, o que foi feito através da Lei de Anistia, aprovada no Governo de João Figueiredo e que, ao anistiar os condenados por crimes políticos, também anistiou os militares e agentes que operaram de forma ilegal durante a ditadura.

Em meio a avanços e retrocessos, o retorno ao pluripartidarismo e a campanha pelas “Diretas Já” foram avanços. Ainda que tenha sido aprovado com o objetivo de dividir a esquerda, o pluripartidarismo é um aspecto fundamental em uma democracia, pois permite aos diferentes grupos a possibilidade de representação política. A campanha pelas “Diretas Já”, por outro lado, provocou o engajamento político desses grupos em torno de um ideal comum, o retorno pleno à democracia, o que somente aconteceria a partir do voto direto para presidente da República. Outro avanço realizado no período foi a revogação do AI-5 pelo presidente Geisel.

A eleição de Tancredo Neves encerrou essa transição como desejavam os militares, afinal, foi realizada de forma indireta e por um candidato que tinha aceitação entre parte da bancada do governo. Apesar de Tancredo Neves não chegar a assumir o poder, o governo seguinte demonstrou que a transição conforme o plano dos militares foi realizada com êxito, pois apenas em 2003 um candidato de esquerda foi eleito para a Presidência da República.