Aborda-se neste artigo a relação dialógica de obras de fotógrafas brasileiras contemporâneas com o feminismo. Para tanto, faz-se necessário traçar um breve percurso da inserção das mulheres nas artes visuais no Brasil e no mundo, juntamente com a compreensão de produções de gênero no âmbito de trabalho das mulheres artistas, inclusive o trabalho produzido pela fotografia brasileira. O recorte que se propõe como estudo é a análise do corpo como instrumento de discurso, com ênfase no autorretrato por meio da série de imagens Silêncio(s) do Feminino, com vistas ao estreitamento de relações entre a fotografia feminina e o feminismo. Show Palavras-chave:
This article deals with the dialogical relation between the contemporary Brazilian women photographer´s work and feminism. Therefore, it is need to chart a brief course of women´s insertion in visual arts in Brazil and worldwide, adding the understanding of gender production in the working field of women artists, including the work produced by Brazilian photography. This study purposes to analyze the body as discuss instrument, with emphasis on self-portrait trough the series of image Silêncio(s) do Feminino, in order to narrowing relations between female photography and feminism. Keywords:
Este artigo propõe a reflexão sobre mulheres enquanto artistas no campo da fotografia contemporânea brasileira, na mesma medida em que trata da visão de mulheres sobre elas e, em especial, na fotografia feminista. Será traçado um percurso resumido do espaço da mulher nas artes visuais em nível nacional e internacional, entrelaçado com os debates sobre gênero, a começar pela pintura e, posteriormente, a fotografia (com exemplificações de estudos de caso), culminando na análise de imagens provenientes da exposição coletiva Silêncio(s) do feminino (Gisa PICOSQUE, 2016PICOSQUE, Gisa. Silêncio(s) do Feminino. São Paulo: Plano A Serviços Artísticos e Culturais Ltda., 2016. (Catálogo da Mostra)), para aprofundar o viés feminista no contexto nacional. O campo das Artes Visuais - museus, mercado e obras - tem sido observado pelo coletivo Guerrilla Girls, que destacou que as mulheres estão em menor número de forma visivelmente assimétrica: “[...] num mundo da arte dominado por homens, tanto nos acervos quanto no comando dos maiores museus” (Silas MARTÍ, 2017MARTÍ, Silas. Mascaradas do Guerrilla Girls atacam machismo dos museus e vêm ao Brasil. Folha de São Paulo, São Paulo, 08/2017, p. x. Disponível em: Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2017/08/1907712-mascaradas-do-guerrilla-girls-atacam-machismo-dos-museus-e-vem-ao-brasil.shtml . Acesso em: 29/10/2017.
Existente há mais de três décadas, o grupo segue provocando os museus e o mercado de artes, sendo reconhecido por se destacar:
A campanha realizada pelo grupo para estampar outdoors em Nova Iorque, realizada em 1989, resultou no projeto Do women have to be naked to get into the Met. Museum?, em que se fez a contagem do número de mulheres artistas que tinham obras expostas e qual tipo de representação da mulher nas pinturas feitas por homens e que estavam exibidas no Metropolitan Museum of Art, em Nova Iorque. Para ressaltar a crítica, as artistas escolheram um famoso nu feminino, A Odalisca, de Jean-Auguste Dominique INGRES (1814), para estampar o outdoor, usando a marca registrada do grupo destas ativistas anônimas: a máscara de gorila. As artistas constataram que, na seção de arte moderna, menos de 5% eram artistas mulheres e que 85% de representações de nus eram femininos. O coletivo refez a contagem em 2005 e constatou um dado ainda mais alarmante: o número de mulheres expostas foi reduzido para menos de 3% e os nus femininos diminuíram irrisoriamente para 83% (GUERRILLA GIRLS, 1985-2018). Em vinda recente ao Brasil, a convite do MASP, o coletivo fez o levantamento sobre o acervo do museu e revelou números nada contraditórios: 6% das obras são de artistas mulheres e 68% de nus são femininos. As artistas fazem este tipo de levantamento em outros grandes museus, buscando a ruptura do modelo androcêntrico não só museológico, como mercadológico:
Os codinomes das ativistas que estiveram no Brasil são referências às artistas feministas, tais como Frida Kahlo, pintora mexicana notoriamente feminista. A exposição intitulada Frida Kahlo: conexões entre mulheres surrealistas no México exemplifica as relações de suas pinturas e o feminismo, assim como revela como a pintora teceu uma rede de colaboração com outras artistas como forma de combater o padrão vigente nas artes. Teresa Arcq (2016ARCQ, Teresa. Mulheres para mulheres, mecenas e promotoras, 2016. Texto expográfico do catálogo da Mostra “Frida Kahlo: conexões entre mulheres surrealistas no México”, 2016.), curadora da mostra, demonstra a existência desta rede de empoderamento e visibilidade por meio de um dos textos expográficos (extraído in loco), de título Mulheres para mulheres, mecenas e promotoras:
Outro aspecto ressaltado na obra da pintora é seu corpo em seus autorretratos. Observa-se a questão da representação do corpo feminino pelo olhar masculino versus feminino, como apontado no catálogo da exposição mencionada:
A seguir, o foco volta-se para a invisibilidade das mulheres dentro do campo da fotografia, como também de suas participações em momentos diversos e como elas buscaram ocupar seus próprios espaços. As mulheres e a fotografiaAo se pensar na cronologia da fotografia, as mulheres sempre se fizeram presentes. Nomes recorrentes pontuam a história da fotografia mundial, tais como Julia Margaret Cameron, Dorothea Lange, Cindy Sherman, Francesca Woodman, Sophie Calle, Annie Leibovitz, Diane Arbus, Margaret Bourke-White, Bettina Rheims, Valérie Mréjen, Sára Saudková, somente para citar algumas fotógrafas. A lista brasileira também é extensa: Rosângela Rennó, Ana Carolina Fernandes, Cris Bierrenbach, Nair Benedicto, Claudia Jaguaribe, Rochelle Costi, Claudia Andujar, Susana Dobal, Fernanda Magalhães, Patricia Gouvêa, Sheila Oliveira, dentre outras. Para ilustrar o panorama da representatividade da mulher na história da fotografia brasileira, consideram-se dois exemplares literários singulares: Dicionário Histórico-Fotográfico Brasileiro: fotógrafos e ofício da fotografia no Brasil (1833-1910) e A fotografia moderna no Brasil. Retomando os primórdios da fotografia nacional, observa-se no Dicionário Histórico-Fotográfico Brasileiro (1833-1910), de Boris Kossoy (2002KOSSOY, Boris. Dicionário Histórico-Fotográfico Brasileiro: fotógrafos e ofício da fotografia no Brasil (1833-1910). São Paulo: Instituto Moreira Salles, 2002.), a quantificação de homens e mulheres fotógrafos(as) atuantes no país neste período. No capítulo “Dicionário: A-Z”, o autor indexa registros de fotógrafos brasileiros e estrangeiros que aqui trabalhavam e áreas afins à fotografia direta ou indiretamente, tais como lojas, fornecedores, livrarias, comerciantes, entre outros. Um dos aspectos chama atenção: o registro de apenas quatro mulheres neste índice. As mulheres profissionais relacionadas são Herminia de Carvalho Menna da Costa, que inaugurou a Herminia Costa & C., em Recife, no ano de 1883, e no ano posterior o Photographia Moderna. Não há dados que informem se ela era fotógrafa ou apenas empresária. Em seguida, Maria Brasilina de Magalhães Faria, que assumiu a empresa do seu falecido marido. Não há informações que relatem sobre sua atividade profissional também ter se estendido à fotografia ou tenha se restringido apenas à administração. Maria Izabel da Rocha, nascida em Sergipe, em 1908, é o destaque, pois, como cita o autor, Izabel era filha de fotógrafo e decidiu, por livre escolha, seguir a mesma profissão. Por último, o autor menciona Fanny Volk, que herdou do ex-marido o estúdio de fotografia (KOSSOY, 2002KOSSOY, Boris. Dicionário Histórico-Fotográfico Brasileiro: fotógrafos e ofício da fotografia no Brasil (1833-1910). São Paulo: Instituto Moreira Salles, 2002., p. 114-325). Os espaços vivenciados por estas mulheres, na perspectiva destacada pelo autor em sua descrição, e a ênfase dada à informação de herdeira de um legado originário masculino pontuam que as ações femininas nesse período só se visibilizaram pela ausência ou direcionamento do sujeito legítimo da ação, fortemente marcada pelas compreensões do “ser mulher” na matriz heteronormativa. Nesta mesma linha de raciocínio, o estudo da socióloga Amélia Siegel Corrêa (2014CORRÊA, Amélia Siegel. As mulheres na história da fotografia brasileira: alguns apontamentos, 2014. Disponível em: Disponível em: http://docplayer.com.br/6778822-As-mulheres-na-historia-da-fotografia-brasileira-alguns-apontamentos.html . Acesso em: 29/05/2016. Corrêa assinala uma das possíveis razões para tal, visto que eram empresas familiares, nas quais os parentes (ela se refere ao casal Volk, mas que se amplia ao caso de Maria Izabel da Rocha) assumiam a tarefa conjuntamente, mas só cabia a autoria do registro fotográfico ao homem. A autora nota o caso de não ser um fato exclusivo do campo da fotografia, mas das artes em geral. Ainda no contexto das artes plásticas em relação à Academia e Salões de Artes, Corrêa (2014) discorre: “[...] eram frequentemente consideradas amadoras, [...], e que representa uma tradução da crença de uma inferioridade feminina corrente na época, negando-se a elas o pertencimento à categoria artística” (p. 3). A opacidade das mulheres nas Artes Visuais, assim como em outras áreas, foi construída e alicerçada por discursos que demarcavam os espaços públicos como masculinos. Transgredir esses espaços desencadeava conflitos que colocavam em cheque suas habilidades artísticas:
Outro objeto analisado foi o anexo “Obras” (Helouise COSTA; Renato Rodrigues da SILVA, 2004COSTA, Helouise; SILVA, Renato Rodrigues da. A fotografia moderna no Brasil. São Paulo: Cosac Naify, 2004., p. 131-207), do livro A fotografia moderna no Brasil. Em cada face de folha, os autores dedicam uma fotografia, numa reunião de 75 imagens (algumas imagens ocupam duas faces). A soma de fotógrafos é 23, e desse total apenas uma é fotógrafa: Gertrudes AltschulUMA MULHER MODERNA. Fotografias de Gertrudes Altschul, 06/03/2015. Disponível em: Disponível em: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/cultura/casa_da_imagem/programacao_atual/index.php?p=17401 . Acesso em: 21/04/2016. Os números levantados nestas pesquisas não intencionam afirmar que somente essas mulheres citadas entraram no campo profissional da fotografia, pois, além de serem estudos incompletos, é possível que tenha havido fotógrafas que, por razões diversas, como as já mencionadas, não tivessem registros de seus trabalhos nos períodos delimitados. Possibilitam, porém, vislumbrar que os espaços acessados por essas mulheres, em comparação com os homens, são infimamente menores. Além dessas duas obras de referência de literatura sobre a história da fotografia brasileira, outros aspectos também reforçam as informações da realidade do espaço das fotógrafas no Brasil e, por consequência, da opacidade. Os próximos dados confirmam essas estatísticas em momentos mais contemporâneos. Dois notórios estudiosos de referência em pesquisa de fotografia brasileira, Ronaldo ENTLER e Boris Kossoy, publicaram matéria em 1996 na revista francesa Photo, cujo objetivo era esboçar um panorama da fotografia contemporânea brasileira. O texto é dividido em períodos 1940-1960/ 1960-1980/ 1980-1996, apenas como recortes indexais. Na publicação, Kossoy e EntlerENTLER, Ronaldo; KOSSOY, Boris. “Fotografia brasileira: nova geração”. In: ENTLER, Ronaldo. Ronaldo Entler. Disponível em: Disponível em: http://www.entler.com.br/textos/photo_entler_kossoy.html . Acesso em: 15/04/2016. Aproximando-se mais do tempo atual, observa-se o catálogo de 2011 da Rede de Produtores Culturais da Fotografia no Brasil, que elaborou o mapeamento da atividade fotográfica em diversos setores relacionados de maneira mais abrangente. Dentro dos 228 membros associados da Rede, entre profissionais independentes e demais instituições (fotoclubes, coletivos, grupos, galeria e outros), constam apenas 27 mulheres, por conseguinte, 11,84%. Outro tema que tem trazido à baila o debate feminista no campo da fotografia brasileira é a participação das mulheres em festivais de fotografia. Primeiramente, o mais importante e consolidado festival brasileiro, o Paraty em foco, foi tema da crítica de Suelen Pessoa, em texto publicado em 2015, de título “Representação ≠ Representatividade: opinião sobre a última edição do Paraty em foco”. Pessoa (2015PESSOA, Suelen. Representação ≠ Representatividade: opinião sobre a última edição do Paraty em foco, Medium, 22/10/2015. Disponível em: Disponível em: https://medium.com/@suelenpessoa.arts/representa%C3%A7%C3%A3o-representatividade-3f73ec9c0ef7#.ylmihzd52 . Acesso em: 19/04/2016. A partir de sua participação, Pessoa (2015PESSOA, Suelen. Representação ≠ Representatividade: opinião sobre a última edição do Paraty em foco, Medium, 22/10/2015. Disponível em: Disponível em: https://medium.com/@suelenpessoa.arts/representa%C3%A7%C3%A3o-representatividade-3f73ec9c0ef7#.ylmihzd52 . Acesso em: 19/04/2016.
De forma mais enfática, ela critica a fatia de representatividade feminina selecionada pelo festival - apenas 14,28%. Fala, também, de três importantes mulheres da fotografia contemporânea brasileira e como foram situadas no festival de porte internacional: A Cris Bierrenbachestava lá em Paraty, as fotos dela estavam na mostra ID, mas não foi chamada para as conversas - e o tema de todo o trabalho dela é performance e autorrepresentação, além da questão dos modos de produção, que daria um ótimo workshop. ANair Benedictotambém estava; poderia ter falado de todo o trabalho de representação das minorias (apesar do olhar antropológico/analógico). E por que não entrevistaram aClaudia Jaguaribe, ao invés de colocá-la como entrevistadora, já que o trabalho dela tem mais a ver com a temática do festival do que o do entrevistado? Me dei ao trabalho de contar: foram 56 convidados. Apenas 8 deles mulheres. A única artista presente estava no papel de entrevistadora, apresentando o trabalho de um homem. Pode parecer bobagem, mas se você é mulher, você sabe que não é bobagem, porque você poderia estar lá e não está (PESSOA, 2015PESSOA, Suelen. Representação ≠ Representatividade: opinião sobre a última edição do Paraty em foco, Medium, 22/10/2015. Disponível em: Disponível em: https://medium.com/@suelenpessoa.arts/representa%C3%A7%C3%A3o-representatividade-3f73ec9c0ef7#.ylmihzd52 . Acesso em: 19/04/2016. Na edição do ano de 2017 do mesmo festival, o cenário mudou. Após a criação de dois grupos virtuais nacionais, de iniciativa livre, o Fotógrafas BrasileirasFOTÓGRAFAS BRASILEIRAS. O Movimento Fotógrafas Brasileiras. Disponível em: Disponível em: https://fotografasbrasileiras.46graus.com/ . Acesso em: 30/10/2017. O grupo Fotógrafas Brasileiras surgiu do interesse da fotojornalista Wânia Corrêdo, que desejava juntar as fotógrafas para fazer um único registro das profissionais do Rio de Janeiro. O convite público postado na rede social gerou repercussão e reuniu 136 mulheres no dia 06 de novembro de 2016. Foi um marco impactante que resultou em encontros de fotógrafas em diversas cidades do país, além da criação oficial do site e do grupo para ações pontuais. O grupo tem como missão:
Sobre os dois grupos formados na rede social Facebook, seus históricos e ações são entrelaçadas, e vale destacar os dados colhidos em ambos, a começar pelo YVY Mulheres da Imagem, criado em outubro de 2016, em Curitiba, e cuja proposta é a articulação da criação da Associação Brasileira das Mulheres Profissionais da Imagem. Os encontros têm acontecido em âmbito estadual e nacional, sem periodicidade específica, porém com atividades frequentes na rede social, incluindo ações próprias, como, por exemplo, a convocatória para participação do evento Visibilidade negra, exclusivo para mulheres negras, não somente para fotografia, mas também para pintura, vídeo, gravura, desenho, colagem ou outro suporte de artes visuais. Entendendo o corpo enquanto discurso, o YVY propôs ação conjunta com o movimento Deixa ela em paz, o desafio às suas associadas a partir do seguinte pensamento: “Numa sociedade que opera cotidianamente a padronização e contenção do corpo das mulheres, controlar e ocupar nosso próprio corpo é, muitas vezes, uma desobediência” (YVY MULHERES DA IMAGEM). Com a proposta de autorrepresentação e valorização, tendo o corpo como lugar de afirmação, de transparência, de não opacidade, optaram por:
Com base nessas observações, realizadas sob o ponto de vista de fotógrafas brasileiras no tempo presente, a fotografia se vê em urgência de transparência e visibilidade em termos sociais - não só profissionais -, explicitados nos coletivos, festivais, livros e mídias sociais. Serão abordadas, a seguir, as mulheres fotógrafas, seus processos de representação e o uso do corpo como matéria de discurso. O corpo feminino e a autorrepresentação fotográficaAntes de se adentrar a produção fotográfica do feminino por fotógrafa brasileira contemporânea autoral, inicia-se este tópico a partir de breve estudo de caso da notória fotógrafa americana Cindy Sherman, tida como umas das artistas mais bem-sucedidas no mercado de venda de artes, com uma de suas fotografias vendidas pela casa de leilões Christie’s por valor próximo a 4 milhões de dólares. O seu trabalho de autorrepresentação é fortemente marcado pelos personagens femininos e seus estereótipos. Configura como característica do trabalho de Sherman o fato de a fotógrafa nunca se representar fisicamente sem alegorias, ou seja, sua autorrepresentação é totalmente ficcional. Nunca é Cindy Sherman que está lá, mas, ao mesmo tempo, é a artista Cindy Sherman que lá se encontra. É impossível dissociar a artista da sua obra. A crítica irônica que a artista faz aos padrões midiáticos de beleza e status é claramente exposta nas imagens. Algumas fotografias da autora podem ser vistas no site do Museum of Modern Art. A compreensão de gênero enquanto construção performativa não deve ser entendida como uma substância que alguém possua, mas que está sempre em processo de modificação, perpassando e inscrevendo os corpos dos sujeitos (Judith BUTLER, 2015BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2015.), sendo visibilizada nas produções fotográficas feministas por desestabilizá-las e deslocá-las do eixo heteronormativo de feminilidade, ampliando as visões de diversidades do que seria “essa mulher”. Em uma de suas primeiras séries, Sherman trabalhou em fotografias que tinham inspiração na narrativa cinematográfica, apontando desde o início o traço do questionamento do papel social da mulher e a ficcionalidade. Para situar melhor a obra de Sherman e sua relação com o feminismo, recorre-se à autora Charlotte Cotton (2013COTTON, Charlotte. A fotografia como arte contemporânea. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2013. ):
O trabalho da artista é baseado em arquétipos sociais que a fotógrafa reproduz, utilizando-se de figurinos, maquiagens, próteses, objetos e cenários que lhe possibilitam compor um personagem a cada vez, sendo mulheres múltiplas, homens e objetos em situações diversas, sempre carregados de conteúdos emblemáticos. Nessa perspectiva, as produções fotográficas feministas podem ser entendidas como uma tecnologia de gênero (Teresa de LAURETIS, 1994LAURETIS, Teresa de. “A tecnologia do gênero”. In: HOLLANDA, Heloisa Buarque de. Tendências e impasses. O feminismo como crítica da cultura. Rio de Janeiro: Rocco, 1994.), à medida que concebemos que o gênero é produto de diferentes tecnologias sociais, discursos, práticas institucionais e da vida cotidiana, sendo “[...] um conjunto de efeitos produzidos em corpos, comportamentos e relações sociais [...]” (LAURETIS, 1994, p. 208). Desta forma:
Para Margarida Medeiros (2000MEDEIROS, Margarida. Fotografia e narcisismo: o auto-retrato contemporâneo. Lisboa: Assírio & Alvim, 2000.), o fascínio pela autorrepresentação cresceu na transição da pintura para o advento da fotografia, e, na arte contemporânea, os limites ultrapassaram o status de arte. Sobre o trabalho de Sherman, a autora diz:
Sobre o autorretrato na arte pós-moderna, a autora Linda Hutcheon (2002HUTCHEON, Linda. “A incredulidade a respeito das metanarrativas: articulando pós-modernismo e feminismos”. Labrys, v. 1-2, jul./dez. 2002. ) critica a relação contraditória existente na coexistência do feminismo e da pós-modernidade. A autora denomina o conceito feminismos para afirmar que o feminismo é múltiplo, pois não há um “[...] consenso cultural de pensamento feminista sobre a representação narrativa [...]” (HUTCHEON, 2002HUTCHEON, Linda. “A incredulidade a respeito das metanarrativas: articulando pós-modernismo e feminismos”. Labrys, v. 1-2, jul./dez. 2002. , p. x). Deste modo:
O corpo humano contemporâneo cumpre papel essencial na criação de sentido no autorretrato, pois é nele que se configuram sentimentos e sensações. Corpo esse biológico, mas também social e cultural - indissociável do pensamento. O corpo pós-moderno é idealizado, padronizado e narcisista, um corpo-mercadoria, segundo apontam Kalyla Maroun e Valdo Vieira (2008MAROUN, Kalyla; VIEIRA, Valdo. “Corpo: uma mercadoria na pós-modernidade”. Psicologia em Revista, v. 14, n. 2, dez. 2008. ). A obsessão do corpo perfeito faz com que pessoas se submetam a alterações protéticas e mutilações, seguindo, portanto, a lógica capitalista e midiática, além da recente necessidade da fotogenia e produção constante na era dos selfies. Lucia Santaella (2004SANTAELLA, Lucia. Corpo e comunicação: sintonizada cultura. São Paulo: Paulus, 2004.), sobre o corpo glorificado, diz: “A palavra de ordem está no corpo forte, belo, jovem, veloz, preciso, perfeito, inacreditavelmente perfeito” (p. 127). O trabalho da fotógrafa Claudia REGINA (2014CLAUDIA REGINA. “Fotografia”. Mulher. Disponível em: Disponível em: http://blog.claudiaregina.com/ . Acesso em: 21/04/2016.
Dentro do que foi exposto, se observa que o corpo da mulher vai além da matéria bruta e da subjetividade expressiva, sendo, pois, o próprio elemento de construção de significação. Lauretis (1994LAURETIS, Teresa de. “A tecnologia do gênero”. In: HOLLANDA, Heloisa Buarque de. Tendências e impasses. O feminismo como crítica da cultura. Rio de Janeiro: Rocco, 1994.) permite chaves de entendimento sobre as construções representativas de feminilidades, as quais são focalizadas e direcionadas para uma natureza sexual e sedutora, afirmando que essa feminilidade não é essência, não é uma qualidade ou uma propriedade da mulher, mas um conjunto construído de representações baseado no modelo fálico de desejo e significação. Observa-se que a história da arte é eurocêntrica e androcêntrica, porém as mulheres fotógrafas orientais também elaboram seus discursos por meio da fotografia, como se nota nos casos a seguir. She who tells a story: women photographers from Iran and the Arab worldA exposição coletiva She who tells a story foi apresentada no período compreendido entre 08 de abril a 31 de julho de 2016, no National Museum of Women in the Arts, em Washington, capital norte-americana. As obras já haviam sido expostas anteriormente, sob a curadoria da americana Kristen Gresh (2013GRESH, Kristen. She Who tells a story. Boston: Museum of Fine Arts, 2013.), no Museum of Fine Arts de Boston, e em publicação de livro homônimo nos Estados Unidos. O nome da exposição Ela que conta a história: fotógrafas do Irã e mundo Árabe já revela que se trata de representações de narrativas femininas. É um conjunto de obras realizadas por mulheres e sobre mulheres, compreendido aqui como a chance de dar voz as ‘elas’ que não são escutadas (e vistas). A construção de espaços de empoderamento feminino visibilizando as experiências é uma ação importante para as mulheres. Joan Scott (1995SCOTT, Joan. “Gênero: uma categoria útil de análise histórica”. Educação & Realidade, v. 20, n. 2., jul./dez. 1995.) traz à tona essa necessidade de elas apresentarem suas visões de mundo e ações cotidianas como estratégias de subversão do ideário de protagonismo masculino cristalizado por muito tempo nos diversos espaços de conhecimento e poder, inclusive nas produções artísticas. A partir do posicionamento de Jacques Derrida (2013DERRIDA, Jacques. Gramatologia. São Paulo: Perspectiva, 2013.) de que tudo é texto, as fotografias passam a produzir e visibilizar discursos para além da representação de imagem, mas os detalhes, as cores, as intencionalidades e os arranjos dos corpos e objetos constituem chaves de leitura e de interpretação que evidenciam fendas e lacunas que desencadeiam diversas possibilidades de leituras, problematizações e desconstruções. A projeção de imagens de artistas árabes em solo americano, por si só, já traz consigo a forte carga sócio-política que lhe é intrínseca. A exposição contou com a participação de 12 artistas, cujas produções refletem suas visões acerca da guerra, política, vida, pessoa, estereótipo, corpo, tradição, isolamento, exclusão, maternidade, entre outros temas factuais. Este conjunto de obras, tal como foi exposto neste particular contexto, merece um estudo específico que analise caso a caso as imagens e as visões das fotógrafas que as realizaram. A negação da mulher islâmica, que vai desaparecendo sob as vestes de sua cultura, sinaliza a tentativa de anulação de seu ser, a partir da sua não identificação de generalização unificada, como mostra o trabalho da iemenita Boushra Almutawakel (2012ALMUTAWAKEL, Boushra. “Muslima: muslim women’s art and voices”. The hijab/veil series, 2012. Disponível em: Disponível em: http://muslima.globalfundforwomen.org/content/hijab-veil-series . Acesso em: 17/10/2017. Dentre os diversos trabalhos expostos, aponta-se a série de imagens da fotógrafa Newsha Tavakolian (2011TAVAKOLIAN, Newsha. “Arts & Culture”. Listen: Giving Voice to Iranian Women, 2011. Disponível em: https://www.magnumphotos.com/arts-culture/newsha-tavakolian-listen/. A seguir, será abordada não só a formação inédita de coletivos compostos por fotógrafas no Brasil, mas também alguns discursos isolados de autorrepresentações e apropriações de fotógrafas brasileiras e estrangeiras sobre questões feministas. Fotografias e o feminismo no BrasilAos poucos, a fotografia feminista brasileira desponta e assinala um perfil: o de formação de coletivo de artistas, datado da segunda década do século XXI. Segundo informações do coletivo pernambucano 7Fotografia, formado pelas fotógrafas Bella Valle, Joana Pires, Maíra Gamarra e Priscilla Buhr, o grupo não tinha como ideia seminal ser uma reunião de fotógrafas feministas, porém, em decorrência de diversas situações e questionamentos em seus trabalhos, esta foi uma consequência dessa união. O 7Fotografia pode ser apontado como um dos grupos precursores de fotógrafas feministas no Brasil. Em entrevista assinada em nome de todo o coletivo, o grupo observou que questões debatidas no feminismo eram frequentes e interferiam diretamente em seus trabalhos:
Outro coletivo de fotógrafas no Brasil é o grupo de gaúchas Nítida - fotografia e feminismoNÍTIDA - FOTOGRAFIA E FEMINISMO. Disponível em: Disponível em: https://nitidafotografia.wordpress.com/ . Acesso em: 15/04/2016. O coletivo Nítida - Fotografia e Feminismo busca refletir o papel da mulher na sociedade, em especial na fotografia. Em seu blog é possível encontrar textos publicados sobre fotógrafas, artigos, entrevistas e críticas. A descrição do grupo reflete questões já mencionadas, da crítica à opacidade das fotógrafas no campo das artes, e mais:
Uma das ressalvas da importância desses grupos é a disseminação de informações sobre a reflexão do feminismo por meio das artes e o diálogo por meio de redes sociais, assim como o compartilhamento de trabalhos de artistas feministas. A seguir registram-se diálogos sobre os discursos feministas, como o que ocorre na exposição coletiva brasileira Silêncio(s) do feminino, que tem como objetivo reverberar reflexões, a começar pela analogia que se pode estabelecer entre silêncio / opacidade / invisibilidade. Silêncio(s) do femininoA questão da imagem feminista foi objetivamente mostrada na exposição Silêncio(s) do feminino, no Centro Caixa Cultural de São Paulo, que aconteceu entre as datas de 12 de março a 08 de maio de 2016. A mostra contou com as séries e vídeos de artistas como Cris Bierrenbach, Marcela Tiboni, Beth Moysés, Rosana PaulinoROSANA PAULINO. Disponível em: Disponível em: http://www.rosanapaulino.com.br . Acesso em: 24/04/2016. A performatividade de gênero proposta por Butler (2015BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2015.), entrelaçada por temporalidades, historicidades e localidades, possibilita ampliar as discussões dos sujeitos dos feminismos, visibilizando os demais marcadores sociais da diferença (gênero, classe, raça, geração etc.) no processo de construção social do sujeito, permitindo que se desloque das generalizações e universalizações, as quais são engendradas normativamente no referencial homem branco ocidental, para as visões de diversidades de corpos e sujeitos. Essa exibição coletiva trata de temas tais como violência, racismo, corpo, maternidade, gordofobia, identidade social e solidariedade. Os impactos das imagens da exibição traduzem simbolicamente situações as quais muitas mulheres já sofreram ou temem sofrer. Os trabalhos anteriores de Bierrenbach já apresentavam questões sobre ser mulher, como a série Retrato íntimo (BIERRENBACH, 2003BIERRENBACH, Cris. “Garfo / Tesoura / Seringa / Fórceps / Faca”. Série Retrato Íntimo, 2003. Disponível em: https://crisbierrenbach.com/pessoal/foto/retrato-intimo/. Outra referência a Man RayMAN RAY. Le Violon d’Ingres, 1924. Disponível em: https://www.artsy.net/artwork/man-ray-le-violon-dingres. No catálogo da mostra, cada artista teve um texto introdutório individual escrito por diferentes especialistas. No texto introdutório do catálogo da exposição, escrito por Eder CHIODETTO (inPICOSQUE, 2016PICOSQUE, Gisa. Silêncio(s) do Feminino. São Paulo: Plano A Serviços Artísticos e Culturais Ltda., 2016. (Catálogo da Mostra), p. 49), o também fotógrafo e pesquisador, com ampla experiência em curadoria fotográfica, faz uma análise dessa padronização exposta e, mais enfaticamente, toca na questão da identidade. Segundo palavras do curador, é um trabalho baseado em arquétipos e com uma noção de coletivo. Outro detalhe observado por Chiodetto é a ambiguidade recorrente do termo “disparo”, usado tanto para câmera fotográfica quanto para arma de fogo, evidenciado pela escolha de Cartier-Bresson ao nomear sua agência de Magnum, tipo de calibre de arma. São imagens fortes, como as fotografias de Bierrenbach (2013), que ela nomeou Fired, cujo duplo sentido foi permitido pelo título em inglês: algo como disparado (arma de fogo) e despedido. As imagens mostram uma mulher (no caso, um processo performático de autorretrato) vestida com “uniformes trabalhistas” e cujo rosto está “disparado”, ou seja, atravessado por marcas de tiros.
Fired foi uma série realizada em 2013 e traz nove imagens cujas dimensões são 1,90m x 1,10m, na tentativa de aproximação do tamanho da altura do espectador por meio da utilização do simulacro, aumentando, assim, o impacto. A colocação da mulher no mercado de trabalho ainda é desvalorizada pelo homem. Trata-se de uma leitura da misoginia, além da violência física e também verbal a qual mulheres, independente da classe econômica e de suas escolhas, estão sujeitas a sofrer. O trabalho em vídeo da mesma artista intitulado Identidade (2003BIERRENBACH, Cris. Identidade. DVD/Vídeo, 3 min., 2003. (Coleção Maison Européenne de la Photographie) Disponível em: https://crisbierrenbach.com/pessoal/video/identidade/. Outro trabalho que faz parte da exposição é o vídeo Ex-purgos, de Beth MoysésBETH MOYSÉS. Ex-purgos. Disponível em: Disponível em: http://www.bethmoyses.com.br . Acesso em: 24/04/2016.
A artista também participa da exposição com a instalação realizada em 2016, Conselhos, que traz um banco de confessionário, um fone de ouvido e um aparelho de mp3. Essa obra pode ser analisada a partir do corpo feminino não presente na obra como corpo profano, o corpo que precisa da redenção religiosa da culpa original - a mulher como a origem de todos os pecados. As imagens de Marcela TIBONI (2012), Crimes passionais (inPICOSQUE, 2016PICOSQUE, Gisa. Silêncio(s) do Feminino. São Paulo: Plano A Serviços Artísticos e Culturais Ltda., 2016. (Catálogo da Mostra)), falam da violência doméstica, que permite uma leitura sobre a autoestima feminina e a autocrítica das mulheres contra si e contra as outras. No díptico, aparece a própria fotógrafa em uma foto duelando com uma outra Marcela, vestida exatamente igual, sendo uma imagem com a artista apontando uma pistola de pederneira na cabeça da “outra”, e a outra com um revólver na mesma posição, num ângulo de 180º.
Tiboni também apresenta uma segunda série de autorretratos, realizada em 2006, cujo título é Estudo para desenho de corpo feminino. Trata-se de um conjunto de registros da artista em nu frontal com o corpo que é reconhecido como fora dos padrões de beleza vigente (corpo não mercadológico), marcado pela cartografia da perfeição estética.
O bodyart surge durante o período de profundas transformações sociais (como a Guerra do Vietnã e a liberação sexual), usando o corpo enquanto objeto de discurso artístico, assim como a performance. Deste modo: “O corpo é o lugar onde o mundo é questionado” (David LE BRETON, 2003LE BRETON, David. Adeus ao corpo: antropologia e sociedade. Campinas: Papirus, 2003., p. 44-45). A obra que compõe a Figura 4 relaciona-se diretamente ao trabalho da pintora britânica Jenny Saville, que trata de representação do corpo (independente do gênero) mas, sobretudo, o feminino. A obra da artista britânica intitulada Plan (1993SAVILLE, Jenny. Plan, 1993. Disponível em: Disponível em: http://www.saatchigallery.com/aipe/jenny_saville.htm . Acesso em: 27/10/2017.
A fala de Saville destaca aspecto relevante quanto à questão inicialmente colocada sobre a presença de nus femininos nos maiores museus do mundo e suas autorias, todas masculinas. Também é de se destacar que a entrevista se refere à série de obras expostas em Londres em 2016, Erota. Todavia, são as obras Matrix (1999SAVILLE, Jenny. Matrix (1999), 2015. Disponível em: Disponível em: http://www.christies.com/lotfinder/Lot/jenny-saville-b-1970-matrix-5916645-details.aspx . Acesso em: 27/10/2017. Diferente do trabalho da gaúcha Verônica Marques Martins (2017VERÔNICA MARQUES MARTINS. “Portfolio”, Contraversão, 2017. Disponível em: https://veronicamarquesmartins.46graus.com/portfolio/contraversao/. Rosana PAULINO (2016) é pesquisadora e doutora em Artes Visuais pela Escola de Comunicação e Arte da Universidade de São Paulo e é a única artista negra que compõe esta exposição. Seu trabalho aqui apresentado versa sobre a temática escravista. De forma resumida, a pesquisadora Luana Saturnino Tvardovskas (inPICOSQUE, 2016PICOSQUE, Gisa. Silêncio(s) do Feminino. São Paulo: Plano A Serviços Artísticos e Culturais Ltda., 2016. (Catálogo da Mostra)) elenca os aspectos mais relevantes da obra de Paulino:
A instalação de técnica mista produzida em 2013, Assentamento (inPICOSQUE, 2016PICOSQUE, Gisa. Silêncio(s) do Feminino. São Paulo: Plano A Serviços Artísticos e Culturais Ltda., 2016. (Catálogo da Mostra)) é formada por diversos materiais e suportes, porém se optou pela análise da fotografia. Uma imagem “retalhada” de uma mulher negra em nu frontal e em perfil, originária da apropriação de registro fotográfico de mulher escravizada, representa o desconhecido. A imagem de corpo da mulher está “descentrando-se” e está impressa em tecido costurado horizontalmente em diversos níveis. O que chama atenção desta imagem é a interiorização do sentimento visto na sobreposição de um coração sangrando e de um bebê no ventre. O texto sobre a obra da artista (parte integrante do catálogo) foi assinado pela pesquisadora doutora em História Cultural Luana Saturnino Tvardovskas (inPICOSQUE, 2016PICOSQUE, Gisa. Silêncio(s) do Feminino. São Paulo: Plano A Serviços Artísticos e Culturais Ltda., 2016. (Catálogo da Mostra)) e estabelece a ligação dos papéis sociais da mulher negra na sociedade brasileira, revelando o fato de a mãe de Paulino ter sido costureira na área periférica paulistana. O que Tvardovskas (2016, p. 69-70) aponta é que se trata de um trabalho de memória coletiva e, também, biográfico, sobretudo a “condição sócio-histórica brasileira” e os “lugares sociais”. Considerações finaisA participação da mulher no campo das artes ainda se faz bem menor em relação à presença de homens, apesar da lenta progressão em busca de equidade. Ao longo dos anos, com reflexões propostas pelo feminismo, algumas artistas militam pela busca de seu próprio espaço de modo independente ou em conjunto, tendo obtido sucesso, como demonstraram os casos aqui explanados. Notou-se que, dentro do panorama da fotografia brasileira, as fotógrafas ainda estão invisíveis, seja na literatura, seja nos festivais; logo se percebeu o surgimento do fenômeno de coletivos e grupos de artistas mulheres que, atentas a estes fatos, se mobilizam para terem visibilidade. A maioria dos trabalhos apresentados neste estudo, como o caso da exposição coletiva Silêncio(s) do feminino, é autorrepresentação de mulheres, cuja característica essencial é o uso do próprio corpo - parte integrante da sua expressão social e política. A autorrepresentação nua das fotógrafas delimita a percepção, o controle e o limite que lhes são estendidos. Por outro lado, a pesquisadora Luana Saturnino Tvardovskas (2016) ainda observa que:
O olhar sobre a fotografia feminista brasileira contemporânea requer, de modo objetivo e subjetivo, observações acerca do processo de criação do conjunto de representações que já se tem para análise, assim como os que estão em progresso, cujo exemplo mais tangível são as próprias imagens selecionadas para este artigo. Sendo assim, os múltiplos discursos inerentes ao feminismo reverberam de modo pontual a fotografia artística brasileira e dialogam com espectadores, buscando reflexões acerca dos conflitos femininos cotidianos. |