O que é comunicação popular e comunitária

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  1. 1. MÍDIA, EDUCAÇÃO E COMUNIDADE PROF.: MS. LAÉRCIO GÓES
  2. 2. COMUNICAÇÃO POPULAR, ALTERNATIVA E COMUNITÁRIA
  3. 3. COMUNICAÇÃO POPULAR • Forma alternativa de comunicação • Origem nos movimentos populares dos anos de 1970 e 1980, no Brasil e na América Latina. • Um processo de comunicação que emerge da ação dos grupos populares. • Caráter mobilizador coletivo
  4. 4. COMUNICAÇÃO POPULAR • SENTIDO POLÍTICO: • Também denominada de alternativa, participativa, participatória, horizontal, comunitária, dialógica e radical. • Trata-se de uma forma de expressão de segmentos empobrecidos da população, mas em processo de mobilização visando suprir suas necessidades de sobrevivência e de participação política com vistas a estabelecer a justiça social.
  5. 5. COMUNICAÇÃO POPULAR “Comunicação do povo”, feita por ele e para ele, por meio de suas organizações e movimentos emancipatórios visando à transformação das estruturas opressivas e condições desumanas de sobrevivência.
  6. 6. COMUNICAÇÃO POPULAR • LIBERTADORA E EDUCATIVA: • As mensagens são produzidas “para que o povo tome consciência de sua realidade” ou “para suscitar uma reflexão”, ou ainda “para gerar uma discussão”. • Os meios de comunicação são concebidos como “instrumentos para uma educação popular, como alimentadores de um processo educativo transformador” (KAPLÚN, 1985).
  7. 7. COMUNICAÇÃO POPULAR • MOVIMENTOS SOCIAIS: • “A comunicação popular nasce efetivamente a partir dos movimentos sociais, mas sobretudo da emergência do movimento operário e sindical, tanto na cidade como no campo”, e se refere “ao modo de expressão das classes populares” (FESTA, 1986).
  8. 8. COMUNICAÇÃO POPULAR • PAULO FREIRE: • Diálogo na educação e a defesa da posição transformadora do ser humano no mundo.
  9. 9. COMUNICAÇÃO POPULAR • CARACTERÍSTICAS: • Expressão das lutas populares por melhores condições de vida, que ocorrem a partir dos movimentos populares. • Possui conteúdo crítico-emancipador e reivindicativo.
  10. 10. COMUNICAÇÃO POPULAR • CARACTERÍSTICAS: • Tem o “povo” como protagonista principal. • É um instrumento político das classes subalternas para externar sua concepção de mundo, seu anseio e compromisso na construção de uma sociedade igualitária e socialmente justa.
  11. 11. COMUNICAÇÃO POPULAR • FORMATOS: • Rádios comunitárias • Fanzines • Canais comunitários na televisão a cabo • Blogs • Sites alternativos etc.
  12. 12. COMUNICAÇÃO POPULAR • TRANSFORMAÇÃO: • Ampliação do alcance por meio da incorporação de meios massivos, principalmente de radiodifusão e internet. • Novos conteúdos e linguagens • Desenvolvimento das atividades de comunicação de forma mais profissional. • Incorporação das novas tecnologias de informação e comunicação (NTIC).
  13. 13. COMUNICAÇÃO POPULAR • NOVOS MEIOS ALTERNATIVOS DE COMUNICAÇÃO: • Adital - Agência de Informação Frei Tito para a América Latina • Jornal Brasil de Fato • Centro de Mídia Independente • Observatório do Direito à Comunicação
  14. 14. COMUNICAÇÃO POPULAR • ESPAÇOS NAS TVs: • Canal do Poder Judiciário: TV Justiça • Canais legislativos: TV Câmara, TV Senado, TV Assembleia • Canais educativo-culturais • Canais privados de conteúdo educativo: STV (do SESC- SENAI) e o Canal Futura (da Globo). • Evidenciam o interesse de aproximação das classes dominantes para construir a imagem de socialmente responsáveis.
  15. 15. COMUNICAÇÃO POPULAR • TENDÊNCIAS: • O caráter mais combativo das comunicações populares de contestação e projeto de sociedade foi cedendo espaço a discursos e experiências mais realistas e plurais. • No tratamento da informação, tem se incorporado o lúdico, a cultura e o divertimento. • Apropriação de novas tecnologias da comunicação.
  16. 16. IMPRENSA ALTERNATIVA • A expressão comunicação alternativa é típica dos anos 1960 aos 1980. • Designa tanto a comunicação popular como para caracterizar o tipo de imprensa não alinhada às posturas da mídia tradicional. • Durante o regime militar no Brasil, a maioria dos grandes jornais se alinhava à visão oficial do governo, por opção político-ideológica ou pela coerção, sob a força da censura.
  17. 17. IMPRENSA ALTERNATIVA • A imprensa alternativa representada pelos pequenos jornais, em geral com formato tabloide, ousava analisar criticamente a realidade e contestar um tipo de desenvolvimento. • Jornais dirigidos e elaborados por jornalistas de esquerda, alguns ligados à pequena burguesia • Aspiravam a um novo projeto social e preocupavam-se em informar a população sobre temas de interesse nacional numa abordagem crítica.
  18. 18. IMPRENSA ALTERNATIVA • EXEMPLOS: • PIF-PAF (1964) • Pasquim (1969) • Posição (1969) • Opinião (1972) • Movimento (1975) • Coojornal (1975) • Versus (1974) • De Fato (1975) • Extra (1984)
  19. 19. IMPRENSA ALTERNATIVA
  20. 20. IMPRENSA ALTERNATIVA • LIGADOS AOS MOVIMENTOS POPULARES: • Mulherio - produzido por um grupo de mulheres e que tratava da situação do público feminino na • Sociedade. • Porantin - Conselho Indigenista Missionário (CIMI), que abordava a questão do índio.
  21. 21. IMPRENSA ALTERNATIVA • LIGADOS AOS MOVIMENTOS POPULARES: • Jornallivro - produzido por entidades e grupos voltados ao trabalho de educação de base. • Voz da Unidade, Tribuna da Luta Operária, Companheiros e Em Tempo - imprensa político-partidária. • Tribuna Metalúrgica e Folha Bancária - imprensa sindical.
  22. 22. IMPRENSA ALTERNATIVA • CARACTERÍSTICAS: • Representa uma opção enquanto fonte de informação, pelo conteúdo que oferece e pelo tipo de abordagem. • Enquadramento e agenda/pauta diferenciadas. • Outras formas de comunicação: panfletos, alto-falantes, carro de som, literatura de cordel, slides, blogs etc.
  23. 23. COMUNICAÇÃO POPULAR E COMUNITÁRIA “A comunicação popular e comunitária pode ser entendida de várias maneiras, mas sempre denota uma comunicação que tem o “povo” (as iniciativas coletivas ou os movimentos e organizações populares) como protagonista principal e como destinatário, desde a literatura de cordel até a comunicação comunitária”.
  24. 24. COMUNICAÇÃO COMUNITÁRIA “O canal de expressão de uma comunidade (independente do seu nível sócioeconômico e território), por meio do qual os próprios indivíduos possam manifestar seus interesses comuns e suas necessidades mais urgentes. Deve ser um instrumento de prestação de serviços e formação do cidadão, sempre com a preocupação de estar em sintonia com os temas da realidade local” (DELIBERADOR; VIEIRA, 2005).
  25. 25. COMUNICAÇÃO COMUNITÁRIA • CARACTERÍSTICAS: • Não tem fins lucrativos • Propicia a participação ativa da população • Tem, preferencialmente, propriedade coletiva • Difunde conteúdos com a finalidade de desenvolver a educação, a cultura e ampliar a cidadania. • Valorização do local: sentimento de pertencimento, vínculos identitários.
  26. 26. REFERÊNCIA PERUZZO, Cicilia. Conceitos de comunicação popular, alternativa e comunitária revisitados. Reelaborações no setor. Revista Palabra Clave, Vol 11, No 2 (2008), Universidad de La Sabana. Colombia.

De nós para os nossos! Esse foi o lema que unificou comunicadoras e comunicadores populares e as lutas antirracistas e por igualdade de gênero em um ano pandêmico. O chamado também orienta o manifesto da iniciativa #CoronaNasPeriferias, uma coalizão nacional de coletivos de comunicação e periferias criada em março de 2020 no intuito de produzir conteúdos informativos e ações territoriais contra o novo coronavírus, considerando a diversidade de linguagens e modelos de organização local.

Desde que a pandemia de Covid-19 chegou ao Brasil, de norte a sul do país foram desenvolvidas estratégias das mais diversas para enfrentá-la. Sem dúvida, o papel da comunicação comunitária, mídias livres e jornalismo independente, além do trabalho desenvolvido por movimentos sociais, foi determinante para que os números de infectados e de mortos não fossem ainda maiores do que já são.

Enquanto os órgãos do Executivo, Legislativo e Judiciário, com raras exceções, mantiveram políticas de deixar morrer – com a demora na aprovação e inúmeras dificuldades de acesso ao auxílio emergencial – ou políticas de matar – com a disseminação de informações falsas sobre o tratamento do novo coronavírus, sobretudo por parte da Presidência da República –, nos territórios vulnerabilizados, a palavra de ordem foi colaboração.

O que é comunicação popular e comunitária
Cartaz produzido pelo coletivo Rede Tumulto (Divulgação)

A Covid-19 encontrou um país já arrasado pelo racismo estrutural, violência de gênero e negação do direito à comunicação. Na ausência do Estado, a sociedade civil enfrenta agora mais um fim do mundo com tecnologias sociais aliadas à comunicação digital – quando a conexão é possível. Não faltou megafone, rádio-poste, barcos equipados com cornetas, moto de som, cartazes, checagem de notícias no WhatsApp, áudios informativos circulando em bicicletas e paródias para informar sobre métodos de higiene e isolamento necessários na prevenção ao novo coronavírus. Para boa parte das mais de 13 milhões de pessoas que vivem em favelas, milhares em situação de rua ou em áreas rurais, essas foram as únicas fontes de comunicação segura.

Os conhecidos instrumentos da comunicação popular ganharam mobilidade e escala, dada a urgência do momento. Nesse processo, o fortalecimento dos laços comunitários e o reconhecimento territorial se tornaram expressivas alternativas contra a desinformação.

A experiência da Vila Brasilândia, na zona norte de São Paulo, é um exemplo. Desde o início da pandemia foi montada a rede Brasilândia Solidária, que uniu organizações comunitárias do território para mobilizar estratégias de informação e apoio às famílias. A Rádio Comunitária Cantareira, fundada no bairro em 1995, foi fundamental no processo de produção e distribuição de conteúdos informativos, passando a contar com carros de som e até minitrio para reforçar as mensagens de prevenção. Segundo a série “Pandemia e Desigualdade”, do Instituto Polis, as ações integradas, realizadas nas comunidades, foram responsáveis por conter a doença nos territórios vulnerabilizados em São Paulo.

Em Recife, na favela do Totó, a cineasta Yane Mendes, com mais dois amigos, iniciou um trabalho voluntário de “tradução” das mensagens sobre prevenção contra o coronavírus feitas pela Secretaria de Saúde do município. Com cartazes colados ao lado dos boletins oficiais, a Rede Tumulto usou termos familiares à comunidade para tratar de assuntos referentes à pandemia. Yane critica que “os meios de comunicação em que eles [governos] gastaram inúmeros recursos não dialogavam de maneira nenhuma, não tinham funcionalidade dentro das periferias”.

Sobre os efeitos positivos das ações realizadas pela rede, ela afirma que “mais do que nunca, na pandemia, ficou comprovado que a comunicação que a gente faz é a comunicação que chega e não rodeia tanto para aquilo que se quer falar. A gente enxerga na conversa do vizinho, numa porta de casa, o meio, uma ferramenta de comunicação. E também tem a diferença dos territórios. Tem território que um cineclube funciona melhor, tem território que está botando um áudio, em outro numa caixa de som na laje é melhor, e há outros em que os cartazes funcionam”.

Na região amazônica, destaca-se o trabalho da Rede Mocoronga de Comunicação. No território, os rios são vias por onde navegam informações de prevenção para 76 comunidades da Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns, no Pará. Como parte do projeto Saúde e Alegria[1], a rede intensificou em 2020 suas iniciativas de comunicação já conhecidas pela comunidade, com alerta especial para a Covid-19. Os programas de rádio, fotonovelas e produções audiovisuais somaram-se com iniciativas de produção e distribuição de cartazes. Uma corneta foi adaptada ao barco-hospital do projeto que visitou periodicamente os ribeirinhos, reproduzindo paródias de músicas famosas na região como meio de informação, organizadas pelo coletivo Jovens Tapajônicos.

Walter Kumaruara, jovem liderança indígena que coordena as iniciativas, contou que a rede seguiu incentivando a produção local através de rádios-poste e da premiação Mocorosca, uma espécie de “Oscar” amazônico. “Fizemos o Mocorosca em 2020, incentivando os jovens a produzir mensagens educativas sobre a prevenção à Covid-19. A ideia desses cartazes era para colar dentro de casa, ensinando como se higienizar e o que fazer quando vem da comunidade para a cidade e da cidade para a comunidade. Porque tem toda a questão do cuidado. Quando você leva a compra da cidade para a comunidade está levando esse vírus. Então a melhor forma de higienizar as sacolas, tudo isso, era repassado”.

Colaboração e modelos de conexão nos territórios

Todas essas experiências apontam para uma sintonia entre a comunicação comunitária, as mídias livres e o jornalismo independente no que se refere aos usos e concepções de tecnologias e atuação territorial. Não há, nesse sentido, uma tentativa de superação das formas de comunicação já existentes, mas uma busca pela convivência e experimentação com o que já é desenvolvido nos territórios.

Essa articulação é conceituada pela pesquisadora Raquel Paiva, do Laboratório de Estudos em Comunicação Comunitária, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (LECC/UFRJ), como Epistemologias Compreensivas. “A ideia central é que, teoricamente, possamos construir objetos capazes de dar conta do território que habitamos. Um número cada vez mais significativo se propõe a compreender a realidade do outro, a intervir, exercitando em toda a sua amplitude os princípios básicos da essência humana de convivialidade. A ordem atual deixou bastante evidenciada a necessidade do aterramento e construção coletiva de ciência que possam atuar de maneira gerativa no território, com dignidade e respeito mútuo. Alguns desses grupos fizeram rede e estabeleceram conexões entre si, independente do lugar, cidade ou estado onde estão. Diante do abandono completo do estado, os coletivos arregaçaram suas mangas e se fortaleceram graças, em primeiro lugar, às suas intrínsecas e orgânicas redes nos territórios onde atuam e, em segundo lugar, com as possibilidades que a digitalização oferece, puderam romper barreiras físicas”.

O que é comunicação popular e comunitária
Ação da Rede Tumulto para doação de alimentos (Divulgação)

Na perspectiva do mencionado por Paiva, ações importantes foram os serviços colaborativos de checagem, produção e disseminação de informações em arquivos de áudio e para aplicativos de mensageria. Com um crescente número de desconectados ou conexões precárias à internet no país, a solução emergencial para disseminar informações seguras foi ocupar aplicativos como o WhatsApp.

Vale frisar que esses aplicativos têm se tornado espaço fértil para a disseminação de notícias falsas e, ao mesmo tempo, ocupando espaços não povoados por fontes diversas de informação e produção de notícia. Os desertos de notícias são exemplos de espaços vazios, que, segundo levantamento do projeto Atlas da Notícia/2019, atingem cerca de 62% dos municípios brasileiros, os quais não contam com meio de comunicação de jornalismo local.

Buscando atuar e reverter os efeitos de um contexto em que as notícias falsas aprofundaram a crise sanitária, muitos coletivos entraram no “zap” para realizar um trabalho de redução de danos. Foi o caso da iniciativa soteropolitana Dendicasa, um noticiário para o WhatsApp em formato de áudio que buscou apurar e desmobilizar notícias falsas que circulavam nos grupos do aplicativo. A iniciativa também divulgou informações importantes sobre fechamento e reabertura dos bairros soteropolitanos, fases de testes das vacinas de imunização contra o coronavírus e rede de atendimento à doença em Salvador. O noticiário foi ao ar entre abril e agosto de 2020, com 36 episódios distribuídos em listas de transmissão e sites de streaming.

Outras iniciativas de escala municipal e regional apostaram na colaboração entre vários coletivos para alcançar mais pessoas. O projeto Pandemia sem Neurose foi um podcast organizado pelos coletivos Desenrola e não me Enrola, Alma Preta e Periferia em Movimento, que produziram e checaram notícias para as diversas periferias de São Paulo e tiveram como principal meio de distribuição os aplicativos de mensageria.

“A distribuição foi focada no WhatsApp, em grupos estratégicos e listas de transmissão, chegando, diretamente, a mais de 2 mil pessoas a cada edição. Alguns episódios também foram veiculados em rádios comunitárias como Cantareira FM e Heliópolis FM. Os retornos foram variados, desde pessoas iletradas que viram na ferramenta de áudio um meio seguro de obter informação até pessoas que sugeriam pautas para os boletins. Os áudios também eram reenviados a diversos grupos, de ocupações por moradia a catadores de recicláveis”, relata Thiago Borges, do Periferia em Movimento.

O que é comunicação popular e comunitária
Cartaz produzido pela Rede Tumulto (Divulgação)

Outra experiência de comunicação popular desenvolvida durante a pandemia, o podcast Existo Norte-Nordeste decidiu conectar diferentes partes do país ao apostar na parceria regional entre jovens do Pará, Pernambuco e Fortaleza, os quais compartilham, semanalmente, as vivências dos seus territórios e oferecem dicas de como enfrentar o isolamento, criando alternativas de cultura e educação.

As concepções de tecnologias compartilhadas por esses e outros coletivos parecem tensionar o paradigma da convergência da comunicação, uma ideia disseminada na primeira metade do século XXI, e muito conhecida no Brasil a partir do livro “A cultura da convergência”, do pesquisador em comunicação Henry Jenkins.

A hipótese do paradigma era de que, na contemporaneidade, o consumo de tecnologias digitais formaria comunicações híbridas com uma certa “inteligência coletiva” e uma “cultura participativa” para superar o individualismo. Ao que parece, as experiências de comunicação popular e comunitária, geradas nos territórios, questionam o lugar do individual não por causa do consumo de tecnologias, mas porque está fora dos princípios das comunidades tradicionais e periféricas não pensar o comum como modo de organização, em qualquer circunstância.

O possível caráter hibridista das comunicações digitais, que unifica diversas formas de comunicação em um “novo” modelo infértil, não representa as possibilidades múltiplas de comunicações gestadas na vontade de transformar e preservar aspectos da realidade concreta no território. A maioria das iniciativas off-line encontraram lugar no ambiente digital sem reduzir seus núcleos de atuação, ao passo que as iniciativas digitais foram levadas a realizar trabalhos territoriais através das velhas gambiarras que cumpriram uma dupla função: de fazer a informação chegar às pessoas, ao mesmo tempo em que denunciava ao país a existência de mais de 47 milhões de pessoas desconectadas da internet.

As estratégias de implementação de redes comunitárias on-line e off-line, neste sentido, também surgem como oportunidade de descentralizar e distribuir o digital, banindo usos únicos de plataformas e alargando a ideia do fazer tecnológico e de internet. A formação de redes antirracistas, acessíveis e feministas no Brasil são estratégias que vão ao encontro do “aterrar” para possibilidades de internet(s) possíveis.

Corpos dissidentes na agenda da democratização da comunicação

Em 2013, a partir das jornadas de junho, não faltou literatura que identificasse o ressurgimento das alternativas de mídias ou midiativismo no Brasil a partir dos centros urbanos, em torno dos usos de tecnologias digitais, ações diretas, mas sem uma cara bem definida. Desde então, com o acirramento das lutas antirracistas e pela igualdade de gênero, é possível perceber com nitidez a identidade de quem está por trás e na frente das telas reivindicando representação e saberes/fazeres tradicionais na luta pela democratização das comunicações. Não é por acaso que as iniciativas apresentadas aqui são protagonizadas por negros/as, mulheres e jovens de periferias, comunidades tradicionais e rurais.

Não bastasse a crise sanitária, os índices de violência policial contra jovens negros, o feminicídio e os ataques aos territórios tradicionais aumentaram em escala exponencial, exigindo uma mobilização redobrada dessa população contra as violações de direitos.

Antes mesmo da pandemia chegar, um silêncio ensurdecedor pairou na mídia tradicional em relação aos impactos do derramamento de petróleo que atingiu a costa brasileira em 2019 e seguiu em 2020, inviabilizando as formas de vida em pelo menos 1.009 localidades de marisqueiras, pescadoras e demais povos que têm seus modos de vida entrelaçados com o mar. Para quebrar a invisibilização desses grupos e denunciar o racismo ambiental, surgiu o projeto Ondas da Resistência – que denunciou a falta de cobertura do caso nas mídias tradicionais e, com artigos, debates e podcast, amplificou as vozes das comunidades atingidas pelo petróleo e pela Covid-19.

Para os povos indígenas, que há 521 anos resistem às doenças trazidas pela colonização europeia, 2020 foi o ano de se fazer ouvir o som dos maracás cada vez mais longe. Com o agravamento da pandemia colocando em risco mais de 50% dos povos originários, sobretudo anciãs e anciãos, responsáveis por guardar a memória das etnias, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) criou a frente Emergência Indígena.

Responsável pela condução de planos de enfrentamento à Covid-19 nos territórios, a iniciativa aliou ações de distribuição de alimentos e construção de hospitais de campanha com a responsabilidade de contar histórias sobre as vidas indígenas perdidas, através do “Memorial Indígena”, e revelar dados do novo coronavírus com o monitoramento permanente de infectados, aldeados ou não. O monitoramento é um trabalho de jornalismo de dados nunca antes feito na história da comunicação brasileira e que soma esforços com outras iniciativas de denúncia do genocídio indígena, como a rede de comunicação Mídia Índia e os festivais de cinema indígena que mantiveram edições on-line.

Coletivamente, as mulheres – as primeiras na linha de frente da luta pelo direito à vida – protagonizaram inúmeras ações no âmbito da comunicação popular, a exemplo do “Conversa de Portão”, podcast semanal, realizado pelo coletivo de comunicação “Nós, Mulheres da Periferia”, que compartilha as experiências das mulheres periféricas de São Paulo e seus desafios para manter a saúde física e mental no contexto de pandemia e isolamento(s). Já a Revista Afirmativa, organização de mídia negra liderada por jornalistas, lançou em 2020 o laboratório de jornalismo Respeita a Favela! As experiências do processo de formação são cotadas no e-book Narrativas afirmativas em tempos de pandemia.

A profusão dessas iniciativas confirma o que escreveu a antropóloga iraniana Niousha Roshani no artigo intitulado “Discurso  de  Ódio  e  Ativismo  Digital  Antirracista  de jovens afrodescendentes no Brasil e Colômbia”: “os  jovens, e  predominantemente  mulheres,  estão  indo  além  da  tentativa  de  combater  o racismo; ao  invés  disso, estão  reivindicando  representações  de  si  mesmos  e  contribuindo  para  a  emergência  de  uma  nova  cultura,  perturbando  o  que  a  escritora Chimamanda Ngozi Adichie chama de ‘o perigo de uma história única’”.

De rede em rede, de território em território, das mais variadas formas, se constituindo no local-local e no local-global, as experiências de comunicação popular e comunitária que surgem pela própria necessidade de comunicar colocam o desafio de que comunicadoras e comunicadores negros/as e de povos e comunidades tradicionais estejam no centro dos debates e da formulação de projetos de regulação e políticas de comunicação no país, propondo alternativas que sigam barrando os retrocessos e avançando em direitos.

Tâmara Terso é jornalista e doutoranda em Comunicação e Cultura Contemporâneas. Paulo Victor Melo é jornalista e doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas. Ambos são integrantes do Conselho Diretor do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social.

[1] Grupo de médicos e arte-educadrxs que atuam na promoção do desenvolvimento comunitário integrado em Santarém, Belterra, Aveiro e Juruti, municípios localizados no oeste do estado do Pará. Ver mais em: https://saudeealegria.org.br/