Por que nelson mandela ganhou o premio nobel da paz

Por que nelson mandela ganhou o premio nobel da paz
1 de 3 Os ex-presidentes sul-africanos Nelson Mandela e FW de Klerk conversam em evento na Cidade do Cabo, na África do Sul, em 17 de março de 2006 — Foto: Mike Hutchings/Reuters Os ex-presidentes sul-africanos Nelson Mandela e FW de Klerk conversam em evento na Cidade do Cabo, na África do Sul, em 17 de março de 2006 — Foto: Mike Hutchings/Reuters

Frederik Willem de Klerk, ex-presidente da África do Sul que ganhou o prêmio Nobel da Paz em 1993 junto com Nelson Mandela, por sua contribuição para o fim do apartheid, morreu nesta quinta-feira (11) aos 85 anos.

A Fundação FW de Klerk disse em um comunicado que o ex-presidente morreu na Cidade do Cabo, "em sua casa em Fresnaye, no início desta manhã, após sua luta contra o câncer de mesotelioma".

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Controverso, FW de Klerk foi último presidente branco da África do Sul

O sul-africano foi diagnosticado em março com mesotelioma, um câncer que afeta o tecido que reveste os pulmões. "Ele deixou sua esposa Elita, seus filhos Jan e Susan e seus netos", disse a fundação.

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Último presidente branco da África do Sul, o político governou o país entre 1989 e 1994 e surpreendeu o mundo quando acabou com o apartheid e negociou uma transferência pacífica do poder para um governo de negros liderados por Mandela.

Mandela sucedeu FW de Klerk e foi o primeiro presidente negro do país, nas primeiras eleições multirraciais da África do Sul.

FW de Klerk foi o responsável por libertar Mandela e outros presos políticos, ganhou o Nobel da Paz junto com ele e também foi seu vice-presidente, entre 1994 e 1996, mas seu legado gera controvérsias até hoje (veja mais abaixo).

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2 de 3 Mandela e o então presidente sul-africano, Frederik Willem de Klerk, recebem o prêmio Nobel da Paz em 1993 — Foto: NTB/AP Mandela e o então presidente sul-africano, Frederik Willem de Klerk, recebem o prêmio Nobel da Paz em 1993 — Foto: NTB/AP

O apartheid

O apartheid foi uma política de segregação racial do estado que vigorou entre 1948 a 1993 na África do Sul (apartheid significa "separação" na língua africâner, que é derivada do holandês).

Durante os mais de 40 anos de apartheid, imperava no país uma política segregação dos cidadãos segundo a cor de sua pele — em que a minoria branca dominou a maioria negra.

Colonizada por holandeses e britânicos, a África do Sul se tornou um país independente em 1910, mas conviveu com ações de dominação dos nativos negros desde a chegada dos primeiros europeus, no fim do século XV.

Com a vitória do Partido Nacional nas eleições legislativas em 1948, a segregação racial se tornou um política oficial de estado. O governo passou a registrar cidadãos segundo a raça e a proibir os casamentos mistos.

O governo também confiscou propriedades de negros e obrigou milhares de pessoas a se mudar para áreas reservadas por etnia. Placas determinavam as áreas para brancos e as áreas para negros — que deveriam, obrigatoriamente, carregar uma caderneta com informações pessoais.

A cor da pele passou a definir se a pessoa poderia votar, onde iria estudar, morar, trabalhar e a receber tratamento médico, diferenciando lugares e posições de brancos e negros na sociedade.

O papel de FW de Klerk

Eleito presidente em 1989 pelo Partido Nacional, FW de Klerk iniciou as mudanças que acabaram com o apartheid no país.

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3 de 3 O ex-presidente sul-africano FW De Klerk chega para assistir ao discurso do então presidente do país, Cyril Ramaphosa, no Parlamento na Cidade do Cabo, em 13 de fevereiro de 2020 na África do Sul — Foto: Brenton Geach/Pool via Reuters O ex-presidente sul-africano FW De Klerk chega para assistir ao discurso do então presidente do país, Cyril Ramaphosa, no Parlamento na Cidade do Cabo, em 13 de fevereiro de 2020 na África do Sul — Foto: Brenton Geach/Pool via Reuters

Ele tirou da ilegalidade o Congresso Nacional Africano (CNA), movimento político de Mandela que havia sido banido em 1960, e soltou o político e outras lideranças que estavam presas.

Mas o seu papel na transição para o fim do apartheid e o início de uma democracia multirracial continua altamente contestado quase 30 anos após o fim do apartheid.

Muitos negros criticam o seu fracasso em conter a violência política nos anos turbulentos do seu governo, que antecederam as eleições multirraciais de 1994.

Já os afrikaners brancos de direita, que há muito governavam o país sob o Partido Nacional (o mesmo de FW de Klerk), o viam como um traidor da causa da supremacia branca.

De Klerk despertou raiva da população sul-africana em 2020, quando disse em uma entrevista que não acreditava que o apartheid fosse um crime contra a humanidade — o que é reconhecido pela ONU (Organização das Nações Unidas).

VÍDEOS: as últimas notícias internacionais

Nelson Rolihlahla Mandela foi o principal líder político da história da África do Sul e um dos grandes nomes mundiais da luta contra a opressão racial. Também conhecido como Madiba, ele lutou durante grande parte de sua vida contra o regime racista e segregacionista do apartheid na África do Sul. Em decorrência dessa luta, foi preso e mantido em cárcere por 27 anos.

Nascido em uma família da aristocracia nativa da África do Sul, em 1918, Mandela teve uma formação intelectual influenciada tanto pela herança cultural europeia quanto pela africana. A partir da década de 1940, passou a atuar no Congresso Nacional Africano (CNA), partido político sul-africano que lutava pelos direitos dos negros no país e contra a política segregacionista do apartheid.

Leia também: Racismo – preconceito que levou a África do Sul ao apartheid

A luta contra o apartheid

O apartheid foi a consolidação institucional, através da legislação, de uma prática de separação entre brancos de origem europeia e negros do continente africano que vinha ocorrendo desde o processo de colonização da região, principalmente por parte dos colonizadores protestantes de origem holandesa, os bôeres ou africânderes. O apartheid consolidou-se após a Segunda Guerra Mundial, quando o Partido Nacional Africânder chegou ao poder. Uma série de leis foi promulgada, negando aos negros, que constituíam a esmagadora maioria da população, direitos sociais e políticos básicos.

O objetivo era realizar uma segregação total entre brancos e negros, impedindo os últimos de frequentarem os mesmos espaços públicos que os brancos, negando a eles o acesso à maior parte das terras cultiváveis do país e às riquezas naturais. Nas cidades, guetos que mais pareciam campos de concentração foram criados para isolar os negros, sendo ainda obrigados a portarem credenciais que garantiam ou não a deslocação pelo espaço urbano. Caso um negro não estivesse de posse de uma dessas credenciais ou fosse pego pelas forças policiais em locais proibidos, ele estava sujeito a ser encarcerado.

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Retrato de Nelson Mandela tirado em 2006, na cidade de Londres. [1]

Mandela atuou inicialmente na juventude do CNA e durante parte de sua militância política defendeu uma resistência pacífica e a desobediência civil contra o regime do apartheid, como burlar as leis que separavam negros e brancos em espaços públicos. Entretanto, o recrudescimento da repressão contra os negros, suas várias prisões, seu banimento do CNA em 1961 e o massacre de Shaperville, em 1960, quando cerca de 69 pessoas morreram ao se manifestarem contra a obrigatoriedade de portar cartões de identificação que limitavam seu deslocamento, fizeram com que Mandela e seus companheiros mudassem de tática de luta política. Nesse mesmo ano foi criado um grupo armado dentro do CNA.

A luta armada resultou em vários atentados a instalações públicas, como usinas hidrelétricas, mas também causou uma violenta reação das forças governamentais. Diversos militantes do CNA foram presos, dentre eles Nelson Mandela, que foi condenado no Julgamento de Rivonia à prisão perpétua, em 1964.

A África do Sul transformou-se em um Estado policial e o CNA atuava na clandestinidade. Mandela, na prisão, passou a registrar seus pensamentos em cadernos e calendários, apesar da rígida censura que vigorava nas penitenciárias pelas quais passou, dentre elas uma localizada nas Ilhas Robben. Durante o período em que Mandela esteve preso, a comunidade internacional por diversos momentos buscou aplicar sanções ao governo da África do Sul como medidas para acabar com o apartheid, seja no aspecto econômico, seja na proibição à participação em eventos esportivos, como a Copa do Mundo de Futebol ou os Jogos Olímpicos.

Os negros sul-africanos durante esse período também realizaram inúmeras ações contra o governo racista, apesar da repressão. O levante do Soweto, em 1976, iniciado por estudantes que se opunham ao ensino da língua africâner, levou a uma série de protestos contra o regime e mais ações repressivas.

A partir da década de 1980 as pressões internacionais tornaram-se mais intensas e o cenário econômico e político tornava-se cada vez pior. O Partido Nacional Africânder iniciou reformas no final da década, abolindo a proibição de casamentos inter-raciais e a obrigatoriedade de portar as credenciais de locomoção. Mas somente a partir da década de 1990 que as medidas levariam ao fim do apartheid, principalmente no governo de Frederik de Klerk. O CNA foi tirado da clandestinidade e Nelson Mandela saiu da prisão.

Veja também: Direitos Humanos – categoria de direitos que combate regimes como o apartheid

Governo na África do Sul e Nobel da Paz

Ao mesmo tempo, uma onda de violência, marcada principalmente por chacinas nos bairros negros, aumentou a dificuldade de se realizar uma transição menos conturbada. Foi nesse cenário que Nelson Mandela foi eleito presidente do país em 1994, após uma expressiva vitória nas urnas, o que o levou a governar a África do Sul até 1999. Em 1993, ganhou o Prêmio Nobel da Paz pela atuação política no processo de transição e de luta pelos direitos da maioria negra sul-africana.

Por que nelson mandela ganhou o premio nobel da paz
​Selo sul-africano em homenagem aos 90 anos de Mandiba, um dos apelidos de Mandela.[2]

Seu governo foi caracterizado pelo esforço em acabar com o legado histórico do apartheid para a população negra sul-africana. Foram criados programas de habitação, educação e desenvolvimento econômico para a população que vivia nos guetos. Uma nova constituição foi aprovada, garantindo a estabilidade política do país.

Após sua saída do governo em 1999, como promessa que iria apenas auxiliar na transição para um regime democrático representativo, continuou seu trabalho em outras instâncias. Criou uma fundação que leva seu nome, atuando em diversas áreas sociais, como no amparo aos portadores de HIV e no auxílio à infância.

Acesse também: Movimentos sociais – ações coletivas que visam lutar por alguma causa social

Morte do líder africano

Sua última aparição pública aconteceu no final da Copa do Mundo de Futebol, realizada na África do Sul, em 2010. Bastante debilitado pela idade avançada, foi diversas vezes internado, causando sempre grande apreensão da população sul-africana e internacional. Entretanto, em 05 de dezembro de 2013, em decorrência de uma infecção pulmonar, Nelson Mandela morreu em sua casa, na cidade de Johannesburgo.

Créditos das imagens

[1] Alessia Pierdomenico/Shutterstock

[2] catwalker/Shutterstock

Por Rainer Gonçalves
Professor de História