O estudo dos sonhos remonta a nossas origens. As civilizações mais antigas achavam que eles eram profecias e mensagens dos deuses. No entanto, no século 4 a.C, Aristóteles já duvidava disso. Para ele, o que acontecia no mundo real durante uma soneca é o que definia o roteiro do sonho. Exemplo: noites quentes criavam uma imagem mental de uma fogueira. Um pouco menos místicas, suposições como essas pipocaram ao longo do tempo. Mas levaria séculos até que a ciência se desenvolvesse para isolar os sonhos como objeto de pesquisas mais sérias. Lá no finalzinho do século 19, a psicóloga americana Mary Calkins foi uma das primeiras a entrar na onda das pesquisas do sono. Um pouco inconveniente, ela começou a acordar seus pacientes quando percebia que eles estavam se mexendo e perguntava o que eles estavam sonhando. Suas conclusões vieram na forma de um estudo publicado em 1893. Ela percebeu que a maior parte dos sonhos acontecia na segunda metade do sono, e seu conteúdo tinha a ver com as experiências das pessoas ao longo do dia. Pouquíssimo tempo depois, Sigmund Freud iria mais fundo. O pai da psicanálise dizia que, nos sonhos, nossos desejos reprimidos mais secretos se manifestam – mas nem sempre de um jeito fácil de entender. Uma imagem mental que nos ocorre durante o sono pode simbolizar uma série de vontades que preferimos censurar na vida real, mesmo sem sabermos. O impacto do trabalho de Freud foi imenso e dura até hoje. No entanto, o jeito como a psicanálise encara os sonhos está bem longe de ser unanimidade. Nos anos 1950, um cientista da Universidade de Chicago percebeu que, durante um determinado momento do sono de seus filhos, os olhos deles não paravam de se mexer, mesmo fechados. A curiosidade virou um artigo científico revolucionário, publicado em 1953, que descrevia pela primeira vez a fase REM do sono. Logo de cara, essa fase foi associada aos sonhos. Duas décadas mais tarde, o psiquiatra James Allan Hobson, de Harvard, quis mostrar que sonho não tinha a ver com inconsciente coisa nenhuma. Para ele, as imagens que vemos enquanto dormimos são aleatórias, fruto da ação de neurotransmissores que ativam partes específicas do cérebro. Continua após a publicidade O debate sobre o funcionamento dos sonhos se estendeu por décadas, ora separando psicólogos e neurobiólogos, ora unindo ramos científicos diferentes com objetivos em comum. Como ainda não é possível entrar na mente de alguém para testemunhar, em tempo real e de forma nítida, quais são as imagens que se formam durante um sonho, nós nos contentamos com outras conclusões a respeito do tema. Por exemplo: já se sabe que o sono REM é essencial no aprendizado, pois consolida memórias recém-adquiridas. Como a maior parte dos sonhos acontece durante essa fase, é natural concluir que, sem eles, seria mais difícil reconhecer um rosto que você viu pela primeira vez ontem, ou se lembrar de um acontecimento corriqueiro, mas que pode ser útil amanhã. O psicólogo e neurocientista finlandês Antti Revonsuo acredita que o ato de sonhar desenvolveu um papel fundamental na sobrevivência da espécie humana, já que sonhar com coisas perigosas deixou nossos antepassados mais espertos para os perigos da vida na natureza. Sidarta Ribeiro, neurocientista brasileiro, tem estudos que apontam na mesma direção: eles mostram que os sonhos, no mínimo, servem para que nossa mente se prepare melhor para inventar soluções criativas durante a vigília. Dessa forma, talvez faça mais sentido pensar no sonho menos como uma repetição surreal e misteriosa do nosso passado, e mais como um ensaio geral para o futuro. Já que é para se preparar, não custa deixar um caderno e uma caneta perto da cama. Na próxima vez que for perseguido por uma cobra enquanto corre sem roupas e sem dentes por um corredor cheio de conhecidos, descreva sua aventura com o maior número de detalhes possível antes que as imagens aleatórias desapareçam no limbo da sua memória. Grandes ideias que surgiram em sonhosA mente humana é tão criativa que é capaz de criar imagens preciosas enquanto dormimos. Algumas viram relatos surreais. Outras nos ajudam a mudar os rumos da história da arte, da ciência e da tecnologia. Continua após a publicidade |